Imaginem
um navio de carga chegando ao porto com vários contêineres. Como flutua um
monte de aço carregado com um monte de aço? E se durante a navegação, forças
alheias (vento, ondas, deslocamento de carga) atuarem, o que fazer para o navio
não emborcar ou adernar?
Entra
em cena a Engenharia Naval. Estabilidade, flutuabilidade, carena, empuxo, altura
metacêntrica...... Cada nome, não? Mas é um assunto muito interessante. Aqui,
tratarei de forma básica a estabilidade de navios, apenas para entendermos os conceitos envolvidos neste
assunto.
Primeiramente,
vamos estudar alguns conceitos.
Estabilidade:
é a
propriedade que tem o navio de retornar à sua posição inicial de equilíbrio,
depois que a força perturbadora cessou fazendo com que o navio se afastasse da
sua posição inicial. Como exemplo de forças perturbadoras, cita-se a ulagem
(espaço vazio que falta para completar o tanque reservatório) que pode provocar
balanços; um navio rebocador puxando o navio para um dos bordos; a movimentação
de pesos por guindastes; paus de carga; entre outras. Pode-se estudar a estabilidade
sob diversos aspectos, como a Estabilidade Transversal que estuda o
comportamento do navio no sentido transversal (de bordo a bordo); a
Estabilidade Longitudinal que estuda o seu comportamento longitudinal, isto é,
no sentido de proa a popa; a Estabilidade Transversal Estática estuda as forças
que afastam o navio da posição inicial e a Estabilidade Transversal Dinâmica estuda
a estabilidade sob os efeitos das vagas e influências externas. Esta última, considera-se
o trabalho necessário para levar o navio a uma determinada inclinação.
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Fig. 1: Lados de uma embarcação |
Flutuabilidade: é a propriedade de um
corpo de permanecer na superfície da água. A
flutuabilidade vai depender da igualdade entre o peso do corpo e o empuxo do líquido,
que é o produto do volume deslocado pelo peso específico do líquido. O Plano de
Flutuação é o plano horizontal longitudinal ao casco, limitado pelo contorno do
chapeamento da embarcação e pelas águas em que ele flutua. O volume que estiver
acima do plano de flutuação é chamado de reserva de flutuabilidade.
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Fig. 2: Reserva de Flutuabilidade, Carena e Plano de Flutuação |
Carena: é a parte molhada abaixo do
plano de flutuação, ou seja, é o volume submerso até o plano de flutuação. De
acordo com o princípio de Arquimedes, para que a embarcação flutue é preciso
haver o equilíbrio entre as forças peso e empuxo ou peso do navio e o ponto
resultante de impulsão que atua sobre o caso, chamado de Centro de Carena ou
Centro de Empuxo.
Momento de força binário: Seja um
binário, de duas forças iguais, paralelas e de sentidos opostos. O momento
desse binário é igual ao produto de uma das forças pela menor distância entre
elas.
Chegamos aos Pontos Notáveis. Estes pontos são Centro de Gravidade
(G), Metacentro (M), Centro de Carena (B) e Quilha (K). São estes pontos que
precisam de harmonia entre si para garantir a estabilidade da embarcação. Vamos
ver cada um.
1) Centro de Gravidade (G): é o ponto de aplicação da resultante
das forças gravitacionais ou podemos assumir como sendo um ponto da
concentração da massa de um corpo. Nas embarcações, o centro de gravidade
estará posicionado no plano diametral, que é o plano vertical longitudinal de
simetria do casco.
2) Metacentro (M): é o ponto de cruzamento entre uma linha
imaginária traçada verticalmente, atravessando o centro de flutuação de uma
embarcação, quando esta está em meio líquido, e uma linha correspondente ao
novo centro de flutuação quando a embarcação estiver inclinada. Para que a
embarcação não aderne até afundar, o metacentro não pode se deslocar para baixo
do centro de gravidade.
3) Centro de Carena (B): já lemos sobre ele. É o volume imerso e
está abaixo do plano de flutuação. A partir deste centro aplica-se a força de
empuxo. Também podemos considerar que é o ponto geométrico das obras vivas. A
região do casco que fica submersa é chamada de Obras Vivas.
4) Quilha (K): é uma peça longitudinal que fecha inferiormente a ossada do navio ou embarcação. Sobre ela assentam-se as demais estruturas do navio e contribui para a resistência longitudinal do casco. Considera-se a espinha dorsal da embarcação. É o ponto de
referência da linha de base a partir do ponto de referência na própria quilha.
Serve de referência para todas as outras medições.
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Fig. 3: Pontos Notáveis de estabilidade do navio |
Agora podemos estudar os estados de equilíbrio dos navios. São
três as condições de equilíbrio.
- Equilíbrio Estável: quando inclinado ou em banda, o navio retorna
à mesma posição que estava antes de se inclinar, após cessar a força que
originou a inclinação. Isto é possível porque a força de empuxo é a maior força
do conjunto de equilíbrio. Lembram-se do boneco “João Teimoso”? É este caso.
- Equilíbrio Neutro ou Indiferente: quando inclinado, o navio
retorna para qualquer posição. Na linguagem náutica, diz-se que o navio
adormeceu naquela posição. Isto é possível porque as forças se anulam.
- Equilíbrio Instável: quando inclinado, o navio emborcará porque há
uma força maior do que a força de empuxo. Lembram-se do metacentro? Este
equilíbrio ocorre quando o metacentro está deslocado abaixo do centro de
gravidade.
Os equilíbrios neutro e instável são indesejados em qualquer tipo
de embarcação. A equipe responsável pela estabilidade da embarcação deve atuar
para evitar que tais situações possam ocorrer.
Vamos analisar cada caso de equilíbrio graficamente.
No equilíbrio estável o navio ao adernar volta à sua posição
normal de equilíbrio. Quando o navio adquiriu banda, forma-se o binário de
forças. Percebam que o ponto metacentro está acima do centro de gravidade.
Assim, é possível verificar que a força de empuxo força, para cima, o lado em
banda para retornar à posição normal enquanto o centro de gravidade faz o outro
bordo tender para baixo.
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Fig. 4: Equilíbrio Estável |
Já no equilíbrio indiferente, o navio
estará em equilíbrio seja qual for a sua posição. O ponto metacentro está no
mesmo ponto do centro de gravidade. Desta forma, mesmo o navio com banda, não
há binário de forças uma vez que o centro de carena está no mesmo vetor
vertical que o metacentro que por sua vez tem a mesma cota que o centro de
gravidade. Daí as forças de empuxo e da gravidade se anulam pois continuam
atuando na mesma vertical, podendo ocorrer com qualquer banda. Não há tendência
de o navio retornar à posição de origem.
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Fig. 5: Equilíbrio Neutro ou Indiferente |
Por fim, o equilíbrio instável ocorre quando ao adquirir
banda, surge o binário de forças com efeito inverso ao exercido no navio na
condição de equilíbrio estável, ou seja, sua tendência é fazer o navio adquirir
maior banda. O navio vai se inclinando para um dos bordos, neste caso à
direita, sentido B´, conforme for adernando. Se a distância entre o centro de
gravidade (G) e o metacentro (M) – esta distância chama-se Altura Metacêntrica Negativa
– for pequena, a projeção do centro de carena B’ alcançará a vertical que passa
pelo centro de gravidade (G), e o navio entrará, neste instante, em equilíbrio indiferente.
Porém, se a altura metacêntrica negativa for muito grande, a projeção do centro
de carena B’ não poderá alcançar a vertical que passa pelo centro de gravidade
G e o navio continuará a adernar, uma vez que as forças em estudo são maiores
do que a força de empuxo e o navio entra na banda permanente por altura metacêntrica
(GM) negativa. Não tem volta, o navio vai adernar.
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Fig. 6: Equilíbrio Instável |
Muito interessante, não é? A responsabilidade da equipe de estabilidade de uma embarcação é muito grande. A equipe precisa ficar atenta para transferência de lastros, transferência de cargas, movimentações de carga, utilização de guindastes, abastecimento de combustível ou outros produtos, offloading de fluidos, entre outros.
É isso. Espero que tenham gostado do texto. Tudo de bom a todos.
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